Eu sou um mero aprendiz
O fascínio que histórias mágicas me despertavam na infância nunca se foi. Pode ter adormecido em alguns momentos em que estive preocupado demais com os problemas da vida real – amadurecer, afinal, exige que se fixe os pés na Terra, para não correr o risco de ser engolido pelo grande moinho que reduz nossas ilusões a pó. Ainda assim, a magia estava lá, sussurrando desejos e possibilidades inconcretizáveis.
Minha profissão foi forjada a partir desse anseio de reformular a realidade, recontando a verdade pela imaginação, montando cenários, diálogos e enredos que seriam mais condizentes com a minha visão de mundo. A escrita foi o sistema de magia que escolhi para me tornar mestre – desenhando o mundo real sob um novo olhar, ou reproduzindo os fatos com alterações indiscretas. De qualquer forma, dediquei-me à arte de brincar com a história, descosturando-a ao meu bel-prazer, nos limites entre o meu cérebro, meus dedos, um computador ou papel e caneta.
Que sensação tola esse poder desperta. Uma capacidade inócua de mudar o mundo sem que um grão de areia saia do lugar. Nenhum fio de cabelo cai ao meu desejo, nenhuma pena voa ao vento, nenhum barulho ecoa, mas eu sigo, no pessoal e no profissional, puxando fios, deformando e reformando a realidade, para que ela se encaixe em mim. É uma especialidade minha. Meu dom, minha mágica.
Seria uma obsessão? Até que ponto isso nem é saudável?
Dizem existir esse tal de arquétipo do mago, um tipo de representação psicológica daquela pessoa que circula entre o abstrato e o concreto, buscando encontrar os segredos que tornam a vida mais equilibrada e rica. Mas o mago não apenas flerta com a fantasia. É acima de tudo um sábio. Alguém que lê o mundo, muda o que pode mudar, e aceita as leis da natureza porque reconhece sua superioridade. O mago não se torna referência em magia apenas por seu poder incontrolável, mas pela sua consciência, que está sempre aberta ao aprendizado ao mesmo tempo que ensina.
Eu queria ser um mago. E queria que meus dons fossem mais realistas, tivessem um fim mais prático, e que por meio do meu condão eu pudesse criar novos contornos para a vida. Começaria me livrando de alguns sentimentos, aqueles mais bobos e improdutivos, vazios, sem futuro. Aqueles compostos de dor e ilusão – ilusões tão saborosas que nos fazem esquecer a dor; dores tão penosas que nos fazem desistir de viver. Não me preocuparia, por agora, em me trazer fama e fortuna, bens materiais, nem me curaria de qualquer doença – que não tenho. Mas aqueles sentimentos empedrados, interrompendo fluxos e pesando o peito… esses seriam meus primeiros alvos.
Eu não tenho a sabedoria de um mago, não tenho um olhar calmo e sereno para o que não posso mudar. A inquietude segue criando pesadelos que me perseguem dormindo e acordado. Por mais que eu trabalhe e retrabalhe os fios que costuram o meu eu, a realidade é uma onda mais forte, levando embora tudo o que me esforço para construir.
Talvez eu seja um aprendiz de feiticeiro. Alguém que ainda não sabe aceitar os limites da própria força e segue infantilmente tentando ser o que ainda não é. E que talvez não venha nunca a ser, porque só os tolos e arrogantes podem se considerar tão sábios como um mago. Quem o faz nada é. Sabedoria não é algo que se atribui a si mesmo, se recebe, como uma condecoração ou elogio.
O que concluo, então? Não sei de nada, estou divagando. É melhor não tentar entender tudo, deixar que os mistérios se desvendem sozinhos e as saídas do labirinto se abram diante dos meus pés. Há algo de mágico nisso, eu acho – garantir à vida sua autoridade de definir que caminhos iremos traçar.
Só sei que estou andando e tentando. Como sempre estive, e sempre vou estar.
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